Estranhos que visitaram

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Prontuário




Meu nome é Sérgio, tenho 32 anos e trabalho no RH de um hospital. Doutor, eu preciso muito de sua ajuda. Eu sempre fui uma pessoa muito transparente, mas me transformei em uma aberração. Vou contar um pouco para que o senhor entenda. Eu desde o início sabia que ia ser assim, o amor nunca foi para mim. E quanto mais puro é o meu sentimento, menos a mulher que eu escolher vai me amar.

Eu sei, sempre foi assim. Quando eu era criança, eu era apaixonado pela Dany, ela beijou outro garoto porque ele tinha MM’s e eu uma maçã. As mulheres me controlam demais, minha mãe insistia na maçã. Levar maçã ao colégio era sinônimo de vergonha. Era a prova de que você não tinha dinheiro para comprar nada na Tia da cantina. Há três anos descobri que a Dany pesa 20 kg a mais que eu, ficou uma morena horrível e está casada com o açougueiro.

Comecei a contar as desgraças que a vida me deu. Contar as alegrias era o mesmo que esperar ganhar na loteria. Expressões como “estar no fundo poço”, “estar na pior”, viraram frases feitas no meu cotidiano. Pois é, o fracasso de ter uma vida cheia de ideias, alegria e amor. Pra quê tudo isso se eu não posso usar, se eu não tive a permissão de usufruir? Eu me sinto parado bem em frente ao mar, depois de horas correndo numa estrada quente e deserta.

Só que eu não posso beber a água, me disseram que não mereço. Aí, eu desisto de tentar, porque eu acredito no que os outros me contaram. É vergonhoso. Pior quando eu me faço acreditar que não sou merecedor das coisas boas da vida, quando elas chegam para mim, me sinto culpado.

Pessoas desfilam com seu amor pelas ruas, algumas são bastante flexíveis e acham que o amor é inovador, e mudam de amor, e esquecem o amor e, na verdade, não amam. Eu no alto do meu silêncio costumo observá-los em shoppings, tem coisa mais irônica? Amor, compras e plástico. O amor virou prático, será que está vindo da China? A pior coisa que ganhei da vida foi a Bárbara. Eu não a culpo, ela é perfeita. Mas eu sou tão maravilhoso pra ela, que ela quer que eu encontre alguém que me mereça. Não! E se eu me transformasse no idiota que ela está saindo? E se eu me comportar como um palhaço conquistador, será que ela vai me “merecer”?

Chegar até a Bárbara e me declarar foi uma das experiências mais difíceis da minha vida. Porque o sonho mais idiota de tocar a pele dela, imaginar que ela vai ser minha no dia seguinte, que ela vai mexer no armário da minha cozinha como se fosse dela, que vai usar minhas camisas xadrez e dizer que eu só escuto música chata. Eu já tinha imaginado tudo, já tinha imaginado que eu não podia imaginar o quanto eu ia ser feliz ao lado da Bárbara. Eu estava pronto para dar a minha vida àquela mulher. Mas, no primeiro bueiro, ela jogou meu coração.

Depois de me declarar existe uma parte do meu dia em que meu coração começa a doer muito e sangra. A dificuldade é tão grande, que não saio mais com amigos, deixo de ir a lugares públicos. Cinema? Nem sei mais o que é isso. Doutor, é tão feio! Junto a essa dor, tem um sintoma que é a ânsia de choro. A poça de sangue me rodeia e então eu desabo em lágrimas.

Ao mesmo tempo minha mente fica cheia de imagens e momentos que passei ao lado dela como o amigo perfeito. Evitei sair de casa, desisti do emprego. É horrível ficar ajoelhado em cima do meu sangue sem poder fazer nada, sempre preciso fazer parar sozinho e demora muito. Isso dói ainda mais, Doutor... Doutor? Doutor, o senhor está sangrando!

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